segunda-feira, 1 de junho de 2020

O desafio de controle de processo no pós-pico na Pandemia de COVID-19


São inúmeros os fatores que influem nas tendências evolutivas de qualquer processo a partir do momento em que este processo foi impactado por intervenção humana, deixando assim de evoluir na sua forma natural.

O pós-pico na Pandemia de COVID-19 é um processo resultante, não só da evolução epidemiológica natural, mas fundamentalmente decorrente das ações que foram adotadas em cada local para obter o achatamento da curva evolutiva natural, propiciando a antecipação da desaceleração do crescimento de novos casos por dia até a concretização do pico, valor máximo de novos casos por dia, e a partir dai permitindo a gradativa redução nos valores de novos casos por dia dentro de uma expectativa decrescente e contínua até que se obtenha o controle.

Do ponto de vista de análise de processo, o achatamento e o pós-pico são duas situações muito semelhantes, e que da mesma forma requerem continuo monitoramento e ações de controle, sendo preocupante a existência de certa euforia gerando uma falsa sensação de normalidade uma vez que se passe do pico da epidemia, o que tem grande perigo atrelado à possibilidade de descontrole no pós-pico.

Após a segunda guerra mundial, a reconstrução do Japão na busca por excelência em seus processos industriais se deu de forma que muito exemplifica a necessidade de disciplina e manutenção de contínuo controle para que possamos vencer a Pandemia de COVID-19. Nos processos industriais, há muito temos a ciência que diversos fatores inerentes ou não ao processo, mas aderentes a este, exercem influência em seu caminho impactando em seu resultado e consequentemente na sua qualidade final.

No Japão do pós-guerra, um nome forte que impulsionou o “Hinshitsudo” foi o norte americano Willian Edwards Deming (1900-1993), através da implantação de continuo monitoramento de processos por meio de controle estatísticos e definição de princípios que podem ser considerados os pilares dos sistemas de controle de qualidade das indústrias modernas. Enxergar a Qualidade como algo não estático, que requer ferramentas de controle e monitoramento foi um passo decisivo para a o crescimento, modernização e alto desempeno da indústria Japonesa na segunda metade do século XX. O termo “Hinshitsudo” expressa isso quando atrela a palavra qualidade a nível, e paralelamente a caminho.

Deming deixou em seu legado, muito mais que os 14 princípios que estabeleceu e difundiu durante o processo de recuperação da indústria Japonesa. No seu livro “Fora da Crise” (1986) consta a seguinte referência: O problema central da administração e da liderança é a falta de entendimento das informações nas variações

Deming considerava que as variações nos processos são decorrentes de causas comuns, aderentes a execução do processo e que podem ser previamente identificadas e previnidas, e causas especiais que são inerentes ao andamento dos processos, e precisam ser continuamente monitoradas através de ferramentas de controle de forma a possibilitar ações corretivas em tempo real, reduzindo a abrangência da falha e o impacto na qualidade do processo.

A importância dos modelos matemáticos que reagem e demonstram os possíveis efeitos de variações de tendência está muito mais relacionada a fornecer a informação para aqueles que são responsáveis pela gestão e tomada de decisões, do que propriamente na definição de prazos e valores, uma vez que estas possíveis estimativas são consequência de tendências sob as quais nossas ações têm influencia quando relacionadas às causas comuns que impactam o processo evolutivo. Não temos domínio sobre eventuais mutações do vírus, mas se vierem ocorrer, temos pesquisadores e laboratórios atuando continuamente com capacidade de identificar essas mudanças que caracterizam causas especiais. Porém, temos domínio sobre as ações que reduzem as causas comuns de variação de tendência, que nesse processo quando relaxadas provocam rápida resposta no sentido de convergência com a tendência evolutiva natural de crescimento, e isso requer extrema atenção durante o pós-pico, com o mesmo nível de comprometimento que o povo Japonês demonstrou no pós-guerra, durante o caminho de reconstrução do país, que foi impulsionado através da modernização e fortalecimento da capacidade industrial. 

Nesse sentido a recente variação de tendência na evolução da epidemia no Rio Grande do Sul, decorrente de extrema desconexão da tomada de decisão com a realidade, mostra que opiniões não podem sobrepor os fatos e os dados, e como essa interferência no sentido de não mitigar as causas comuns mudou para pior os rumos da epidemia por lá.

A evolução de novos casos por dia no Rio Grande do Sul, apresentada no gráfico 1 em escala logarítmica mostra que a partir de 19 de Abril iniciou-se uma tendência de crescimento em progressão geométrica que ainda persiste indicando que está havendo crescimento acelerado no número de novos casos por dia, o que dificulta a obtenção de funções consistentes de tendência de regressão.


Gráfico 1 - RS evolução de novos casos diários de COVID-19 até 28 de maio de 2020 (Escala logarítmica base 10)

Situações como a apresentada no gráfico 1  estão ocorrendo também em outros estados, como Minas Gerais e Santa Catarina, essa é uma realidade que está impactando no distanciamento do pico na evolução total de casos do Brasil.

No gráfico 2 está apresentada a atual situação de crescimento de novos casos em Minas Gerais, onde em escala logarítmica é possível observar a tendência de crescimento acelerado, mais acentuado após 24 de Abril.


Gráfico 2 - MG evolução de novos casos diários de COVID-19 até 28 de maio de 2020 (Escala logarítmica base 10)

A tendência em MG se mostra menos oscilatória que no RS, com os pontos da última semana contribuindo significativamente na elevação da média móvel, não havendo ainda sinais de desaceleração, a exemplo do RS, dificultando a obtenção de funções de regressão, uma vez que a situação é de crescimento acelerado e descontrolado.

Em São Paulo, ocorreu um pico em 22 de Maio com 3.687 casos registrados, porém após redução por apenas dois dias voltou a crescer com 6.382 casos em 28 de Maio, confirmando uma tendência que começou a se mostrar a partir de 26 de maio com a retomada de crescimento acelerado e descaracterizando o máximo anterior como o pico. No gráfico 3 é possível observar em escala logarítmica a situação que poderia ter se configurado como o pico em SP.

Gráfico 3 - SP evolução de novos casos diários de COVID-19 até 27 de maio de 2020 (Escala logarítmica base 10)

Em SP a curva da média móvel teve ligeira queda após 22 de Maio, indicando possibilidade de iniciar o decrescimento pós-pico, porém a recente aceleração distanciou essa possibilidade.

No gráfico 4 com dados até 28 de Maio é possível observar a mudança de tendência na média móvel que vinha decrescendo lentamente após 22 Maio e com o novo ponto voltou a crescer.


Gráfico 4 - SP evolução de novos casos diários de COVID-19 até 28 de maio de 2020 (Escala logarítmica base 10)

A situação atual do estado de São Paulo indica como o processo evolutivo é sensível e requer continuidade ou ampliação de medidas de isolamento social tanto na aproximação do pico, como para garantir a tendência de redução no pós-pico. É fato que a nova tendência de crescimento no estado pode não ser só influência da capital, uma vez que outros municípios podem estar impactando com processos evolutivos em fases diferentes, mas a cidade de São Paulo também apresentou semelhante tendência de crescimento acelerado nos últimos dias, indicando que teve influência direta na variação do processo evolutivo no estado, uma vez que concentra mais e 50% do total de casos do estado.

No dia 25 de Maio as funções de tendência para o estado de SP indicavam a possibilidade do pico ocorrer até 01 de Junho com média móvel da ordem de 3.400 casos e acumulando entre 105 e 110 mil casos. O gráfico 5 apresenta a tendência gerada para o estado de SP com base na média ponderada entre 22 e 25 de Maio.

Gráfico 5 - SP evolução de novos casos diários de COVID-19 até 25 de maio de 2020 e curvas de tendência.

A tendência gerada em 25 de Maio resultava em 175 a 200 mil casos até 27 de Agosto, podendo chegar em 99% até 19 de Julho, porém a brusca aceleração a partir de 26 de Maio gerou funções de tendência divergentes, o que pode ser decorrente de oscilações de valores reais, na aproximação do pico ou também pode estar relacionado a descontrole no processo evolutivo e retomada de crescimento acelerado, dificultando as projeções futuras, que vão depender dos resultados dos próximos dias para se confirmar.


No gráfico 6, consta a evolução de novos casos no estado de SP até o dia 28 de Maio, e a tendência gerada. A taxa de crescimento real dos quatro últimos dias, associada ao valor muito acima da média do último ponto em 28 de Maio, provocaram a aceleração no crescimento da média móvel, contrariando o que é esperado na aproximação do pico.

Gráfico 6 - SP evolução de novos casos diários de COVID-19 até 28 de maio de 2020 e curvas de tendência.

As tendências geradas em 28 de Maio para o estado de São Paulo, já impactadas pelo ponto muito acima da média, retardaram a expectativa de pico em aproximadamente uma semana, sugerindo essa possibilidade entre 05 e 08 de Junho com 125 a 130 mil casos acumulados, indicando possibilidade de controle entre 21 de Agosto e 21 de Setembro, com expectativa de total de casos no estado entre 215 e 260 mil, podendo chegar a 99% entre 17 de Julho e 03 de Agosto.

Mesmo com os resultados de 29 e 30 de Maio abaixo do valor máximo do dia 28 de Maio, mas ainda bem acima da média anterior, o que indicava a hipótese de pico no estado de São Paulo para os primeiros dias de Junho, ocorreram mais indícios de distanciamento da data do pico, uma vez que a média móvel continuou crescendo, e mesmo com o novo dado de 31 de Maio, ficando abaixo da média, ainda não interrompeu o crescimento, uma vez que não poderia superar mais que 1.600 novos casos para estabilizar o crescimento, e ocorreram 2.556 novos casos.

No gráfico 7, onde consta em escala logarítmica a evolução de novos casos por dia no estado de SP até 30 de Maio, fica evidente na variação da média móvel, a tendência de crescimento acelerado dos últimos três dias.

Gráfico 7 - SP evolução de novos casos diários de COVID-19 até 30 de maio de 2020 (Escala logarítmica base 10)

No gráfico 8 consta a situação das funções de tendência geradas com base na média ponderada entre 27 e 30 de Maio para o estado de São Paulo. O afastamento das linhas dos dois modelos de tendência é um indicador de incerteza gerado pelo distanciamento dos três últimos pontos significativamente acima da média, o que provoca um aumento no tamanho dos intervalos das estimativas.

Gráfico 8 - SP evolução de novos casos diários de COVID-19 até 30 de maio de 2020 e curvas de tendência.

No gráfico 8, em escala decimal, também fica nítida a aceleração que ocorreu no crescimento da média móvel nos últimos dias, o que gerou incerteza com relação a aproximação do pico levou a possibilidade de pico para o intervalo entre 04 e 15 de Junho com estimativa entre 125 e 175 mil casos por ocasião do pico, levando a possibilidade de controle para o período entre 06 de Setembro e 17 de Novembro, podendo resultar entre 250 e 375 mil casos.

Com a brusca variação que ocorreu nos últimos dias, e com o novo resultado em 31 de Maio ainda elevando o valor da média móvel, fica caracterizada uma recente tendência de aceleração no crescimento de novos casos, o que pode estar associado a alguma mudança de conduta por parte da sociedade ou a necessidade de adoção de medidas mais rigorosas com relação ao isolamento e distanciamento social. Para que seja configurado o pico no momento atual com base no valor máximo ocorrido em 28 de Maio, é necessário que o valor da média móvel comece a decrescer, o que para ocorrer em 01 de Junho, requer o limite de 1.460 novos casos, um resultado maior indica um crescimento da média móvel e confirma o deslocamento da data do pico, um resultado menor mantém a possibilidade do pico em 28 de Maio.

A estimativa do modelo matemático fica bastante prejudicada por variações tão bruscas como as que ocorreram em São Paulo na última semana, o que caracterizou um período de crescimento acelerado sugerindo a hipótese de distanciamento do pico, mas ainda não eliminando completamente a possibilidade de já ter ocorrido o pico, o que só será possível confirmar a partir dos próximos resultados.

O exemplo de São Paulo mostra a necessidade de ser mantido contínuo monitoramento que possibilite o ajuste de medidas de controle em tempo real norteada pela evolução dos dados, o que pode requerer ações restritivas não só até o momento do pico, mas principalmente posteriormente a esse, de forma a consolidar uma curva controlada de decrescimento de novos casos. Medidas precipitadas de relaxamento de controle social podem provocar retomada de crescimento distanciando uma nova expectativa de pico, retardando a data de possível controle e aumentando significativamente o total de casos.

Em São Paulo já foram registrados até 31 de Maio mais de 109 mil casos, destes quase 72 mil foram registrados entre o dia 29 de Abril e 28 de Maio, na hipótese do pico ter ocorrido em 28 de Maio é razoável imaginar que no mínimo esse mesmo número de casos se repita nos 30 dias posteriores ao pico, dessa forma, o nível de controle a ser adotado até o final de Junho não deveria ser inferior ao adotado no mês de Maio. Com a expectativa de que no mínimo ainda vão ocorrer mais de 60 mil casos durante o mês de Junho, é grande o potencial de haver o descontrole e retomada do crescimento acelerado.

Em Pernambuco houve em 19 de maio um pico na média móvel, entre dois picos de valores reais ocorridos me 16 e 22 de Maio, mas para que esse se consolide como valor máximo a média móvel de novos casos não pode voltar a crescer, porém o valor real de novos casos voltou a crescer entre 26 e 30 de Maio, o que levou a média móvel a apresentar pequeno crescimento indicando que a diminuição do número de novos casos por dia foi retardada.

O cenário em PE está bem mais favorável que em SP, MG ou RS, uma vez que houve um pico e que o comportamento no pós-pico vem evoluindo dentro do esperado, com gradativa redução no número de novos casos por dia, conforme consta no gráfico 9.

Gráfico 9 - PE evolução de novos casos diários de COVID-19 até 31 de maio de 2020 e curvas de tendência.

Com dados mais consistentes, no pós-pico, passados 12 dias do pico registrado na média móvel, a tendência que vem se consolidando é de regressão com diminuição no número de novos casos por dia, dentro do esperado comportamento oscilatório, mas até o momento sem variações que alterem significativamente a tendência de redução, de forma a convergir para o controle.

As tendências geradas pelos dois modelos ficaram bastante consistentes e indicam que nesse momento o estado já chegou entre 74 e 75 % dos casos que deverão ocorrer se mantido o atual comportamento evolutivo. Até 19 de Maio, data do pico na média móvel, haviam 21.242 casos, e atualmente são 34.450. Os resultados atuais indicam, pela tendência média ponderada dos últimos quatro dias, a possibilidade de controle até a segunda quinzena de Julho totalizando entre 46 e 48 mil casos, estimando a possibilidade de chegar a 99% do total entre os dias 22 e 26 de Junho.

No processo de redução é esperada uma transição entre o decrescimento acelerado, que é a fase após o pico, para o decrescimento desacelerado que é a fase de convergência para o controle, que pela estimativa atual deve ocorrer entre 07 e 09 de Junho, o que corresponde a um ponto de inflexão caracterizado pelo valor mínimo negativo da derivada. Na análise da função derivada, percebe-se tendência de pequeno crescimento na média móvel, o que não corresponde ao esperado neste momento, possibilitando a ocorrência de valores positivos, que mudariam a tendência atual para crescimento. No gráfico 10 está a função derivada do numero de novos casos por dia em PE.

Gráfico 10 – PE função derivada de novos casos por dia até 31 de Maio de 2020.

Nesta fase o esperado para a derivada é a predominância de valores negativos, porém após o valor zero que ocorreu na média móvel em 19 de Maio, e caracterizou o pico na função primitiva (Pico de casos por dia), a média móvel da derivada vem oscilando com predominância negativa, mas por duas vezes já voltando a apresentar pequenos valores positivos, gerando três valores mínimos negativos que correspondem a pontos de desaceleração no decrescimento, indicando haver certa resistência em decrescer, o que requer atenção e cuidado no que diz respeito às possíveis consequencias de relaxamento em medidas de isolamento social nesse momento em que ainda devem ocorrer no mínimo mais 11 mil casos até o final de Junho em Pernambuco.

No gráfico 11, onde consta em escala logarítmica a evolução de novos casos por dia no estado de Pernambuco até 31 de Maio, fica evidente na média móvel, o pico ocorrido em 19 de Maio, o período de decrescimento acelerado após 19 de Maio e a desaceleração assumindo um comportamento praticamente constante pouco após 24 de Maio, o que gera incerteza quanto a evolução da tendência.

Gráfico 11 - PE evolução de novos casos diários de COVID-19 até 31 de maio de 2020 (Escala logarítmica base 10)

Fica mais esse alerta, cabe às autoridades tomarem as decisões corretas, mas cabe também a população manter condutas conservativas independente de qualquer decisão. O imediatismo é bastante atraente, mas pode se mostrar muito perigoso e oneroso.


Paulista-PE, 01 de Junho de 2020.



Roberto de Souza van der Linden
Engenheiro Mecânico