Neste momento existe muita expectativa quanto a chegada
ao pico da Pandemia de COVID-19 no Brasil, ocorre que em paralelo existe também
muita desinformação e desconhecimento sendo veiculado em redes sociais, em
muitos casos gerando uma falsa sensação de segurança, o que pode ocasionar e o
inoportuno relaxamento de medidas de proteções individuais e coletivas, assim
como, havendo pressão de parte da sociedade no sentido de que haja a liberação
de atividades não essenciais.
Muitos falam sobre o pico sem entender sobre o que
falam, uma vez que equivocadamente dão a entender que chegando ao pico a
Pandemia estará controlada, quando o pico apenas representa a possibilidade de enxergar
uma “luz no fim do túnel”, ou seja, o pico, do número de novos casos por dia, é
o que concretiza o início da redução de novos casos a cada dia, indicando a possibilidade
de controle da Pandemia, mas não necessariamente garante esse controle, uma vez
ocorrendo relaxamento de condutas sociais preventivas e medidas restritivas, o cenário
rapidamente pode mudar gerando novamente a aceleração no número de novos casos
por dia e descaracterizando o pico ocorrido como valor máximo, deixando como um
pico pouco significativo dentro de um período de oscilação ainda resultando em
número de casos crescentes, o que pode, por exemplo, ser observado na evolução
de casos do estado de Pernambuco.
No gráfico acima é possível observar
dois “picos” na média móvel, indicados pelas setas, mas que não caracterizaram a
maior média de casos por dia da epidemia local, uma vez que após curto período
decrescente, voltou a ocorrer crescimento, superando o valor máximo anterior,
não caracterizando o início da tendência de decrescimento na média de novos
casos por dia. É possível também observar na curva de valores reais (azul) os dois
picos em valores absolutos entre as duas setas e um maior ocorrido em 16 de
maio. É provável o ponto fora da curva em 16 de maio tenha sido decorrente de
acréscimo de casos de dias anteriores que dependiam de confirmação, uma vez que
nos cinco dias anteriores os resultados tiveram tendência crescente, mas foram abaixo
da média.
Matematicamente, dentro de um
determinado intervalo de domínio, um pico positivo ocorre quando a função com
imagens positivas, muda sua condição de crescente para decrescente, o que
corresponde na função derivada a um valor zero, com esta função decrescente
passando de positivo para negativo, assim o pico na função primitiva ocorre no
ponto (data) em que a função derivada tem imagem igual a zero.
Nos EUA, por exemplo, o pico foi configurado
no início do mês de Abril, pelo valor real de novos casos por dia em 06 de
Abril, mas está havendo muita dificuldade para manter uma taxa de redução, como
mostrado no gráfico abaixo.
No gráfico acima é possível observar
que ocorreram entre 30 de Março e 29 de Abril, três picos nos valores reais de
novos casos por dia, que estão destacados pelas circunferências amarelas, o primeiro
em 03 de Abril com 37.926 novos casos, o segundo em 06 de Abril com 43.438
novos casos por dia e o terceiro e mais importante só veio a ocorrer em 23 de
Abril com 37.144 novos casos por dia.
Esse exemplo mostra claramente a
dificuldade que um país com dimensões continentais teve em consolidar a difícil
trajetória de redução de novos casos por dia, e diferentemente do que em geral
os modelos matemáticos sugerem em suas projeções, não houve simetria entre os
períodos de crescimento e decrescimento. É sabido que lá foram e estão sendo
realizados milhões de testes, o que sem dúvida pode ter impactado nos dados apresentados no gráfico e detalhados a seguir.
A referência anteriormente feita
quanto à importância do terceiro, mas não maior pico, se deve ao fato de que só
a partir desta data, 23 de Abril, é que foi consolidada efetivamente uma lenta
tendência de redução no número de novos casos por dia, assim podemos dizer que
o que ocorreu nos EUA não foi só “o pico”, mas uma espécie de “platô”, que teve
como efeito um drástico aumento do número total de casos nesse período, além de
impactar no tempo para controle da pandemia.
Em 06 e Abril quando foi caracterizado
o maior valor real de novos casos por dia, havia nos EUA um total de 374.329
casos acumulados, em 08 de Abril quando se configurou o pico pela média móvel
de 7 dias, haviam 459.165 casos acumulados, no período de 08 a 23 de Abril,
foram contabilizados mais 438.125 casos, totalizando 865.585, mais que dobrando
o valor total, considerando o valor real do pico em 06 de Abril, e com a pequena taxa de decrescimento que se configurou, atualmente o total de casos acumulado
já é da ordem de 1,53 milhões, ou seja 4 vezes maior que por ocasião do pico, e
por lá ainda vem se registrando mais de 20 mil novos casos diários, conforme
pode ser observado no gráfico abaixo.
Desta forma o tão esperado “pico” corresponde a um
momento decisivo no rumo que a pandemia está tomando, mas também ao momento
mais crítico, com maior número de casos por dia e com a maior quantidade de
casos registrados nos dias que o antecedem e no mínimo da mesma forma nos dias
que o sucedem.
O pico é o momento que caracteriza a transição de
crescimento acelerado, para crescimento desacelerado do total de casos, assim matematicamente
seria razoável esperar que na melhor das hipóteses, num processo evolutivo que se mantenha rigorosamente controlado, entre o pico e o final, o
total de casos acumulado viesse no mínimo a dobrar, mas na prática por fatores
diversos que os modelos matemáticos só conseguem absorver ao longo do tempo, a
exemplo dos EUA, Espanha, Itália e muitos outros países, não é isso o que
ocorre, e em geral a quantidade de casos entre o pico e o controle da pandemia
tende a ser bem maior que do início até o pico. No Brasil isso não será
diferente, e não parece haver consciência coletiva quanto a este importante
fato.
O Brasil, com dimensões continentais, com processos
evolutivos distintos entre as 27 unidades da Federação, carente da consolidação
de uma gestão de crise robusta por parte do governo federal, e com muita
“desinformação” circulando em redes sociais, já se mostra potencialmente como o
próximo Epicentro da Pandemia no mundo, e contrariando muitas opiniões a
possibilidade de pico de novos casos por dia a nível nacional dá sinais de
estar se distanciando cada vez mais. Na publicação do dia 19 de maio (http://artigostecnicosbvdl.blogspot.com/2020/05/modelo-de-analise-matematica-de.html),
a situação apresentada por ocasião permitia vislumbrar a aproximação do pico
para o Brasil por volta de 12 de Junho, mas com a evolução dos últimos dias houve
variação na tendência levando a expectativa de pico para 14 de Junho, isso com
base nos dados até 20 de maio, porém como explicado no artigo anterior, essa
previsão tem os três últimos dias ponderadamente atenuados de forma a conter
efeitos de oscilações muito bruscas, assim, na previsão atual com base em 20 de
maio, os dados considerados com maior relevância para tendência são até 17 de
maio, quando houve um valor abaixo da media móvel, de menor influência no
deslocamento do pico que os dois pontos imediatamente anteriores, 15 e 16 de
maio, que foram bem próximos e pouco acima da média móvel e que também estavam
atenuados na estimativa anterior, mas passaram agora não só a influir no
deslocamento do pico, como a indicar tendência de maior valor médio de casos
por dia na ocasião do pico, conforme demonstram os gráficos abaixo.
Os dois gráficos mostram que houve
significativa variação de tendência entre a média atual obtida com os dados até
20 de maio e a média anterior obtida com dados até 18 de maio, quando apenas um
dos atuais seis últimos pontos estava contribuindo integralmente no resultado,
mas ocorre que houve drástico crescimento nos três últimos dias considerados na
estimativa atual com dados até 20 de maio, que somados correspondem a mais de
50 mil casos, mas que ainda estão com sua influência atenuada, e que certamente vão contribuir para o distanciamento da data de pico, principalmente com o resultado
mais recente, ainda não considerado, mas também acima da média.
Atualmente com mais de 300 mil casos,
o total de casos no Brasil dobrou nos últimos 13 dias, em 08 de maio eram pouco
mais de 145 mil casos, porém os 58 mil casos nos últimos quatro dias,
configuram preocupante possibilidade de tendência de deslocamento da data do
pico e crescimento no número total de casos, o que será melhor observado
nas previsões dos próximos três dias.
Nesse momento é importante observar o
comportamento evolutivo em todas as unidades da Federação de forma a
possibilitar um melhor entendimento do impacto de cada uma na evolução total do
país e como as distintas situações evolutivas poderão afetar a curva nacional.
Numa hipótese isenta de qualquer
previsão, é fundamental que tenhamos em mente que o total de casos até o
controle da pandemia tende a ser superior ao dobro do total de casos no pico,
assim é importante haver a consciência coletiva quanto ao longo caminho que
ainda restará a percorrer após o pico para que se consiga vencer a pandemia. Ainda não é possível imaginar que ocorram mudanças de conduta em relação a
afrouxamento de medidas de distanciamento social, sob o risco de aumentar ainda
mais a abrangência da pandemia, com exceção a existência de um fato novo
que venha a acelerar drasticamente a
redução de novos casos por dia, como a improvável imunização por vacina de toda
ou grande parte da população em curto prazo, ou a partir de êxito em resultados
conclusivos e eficazes de algum dos diversos experimentos atualmente em
andamento no mundo, com comprovação e adoção de protocolos mais eficazes no
combate, que venha a reduzir a taxa de contaminação através da redução do tempo
de cura, o que mesmo que venha a ocorrer não resulta em efeito tão imediato
como uma vacina.
Se observarmos em escala logarítmica
a evolução de novos casos por dia no Brasil, podemos entender que ocorreu um
importante ponto de inflexão por volta de 20 de Março, reduzindo
substancialmente a razão média de progressão inicial da Pandemia, ou seja,
desacelerando a curva de crescimento do número de casos por dia, passando a um
comportamento de crescimento desacelerado aproximadamente até o dia 04 de
Abril, mas de lá para cá, a evolução mostra em escala logarítmica preocupante
comportamento com tendência linear, o que indica que a razão de progressão não
regrediu de forma significativa durante esse ultimo período, oscilando entre
aceleração e desaceleração, dificultando a aproximação do pico, como pode ser
observado no gráfico abaixo.
Calculando as
razões médias de progressão, com base na evolução da média móvel do número de
casos por dia nos períodos anteriormente citados, foram obtidos os resultados
conforme tabela abaixo:
Os
resultados obtidos confirmam a indicação pela visualização gráfica, que
conforme esperado vem ocorrendo redução na razão de crescimento, caracterizando
assim que em média o crescimento é desacelerado. Porém, com base na evolução
real entre 18 e 20 de maio, que contabilizaram mais de 50 mil casos, as taxas
médias de evolução semanal, que constam da tabela 2, abaixo, se comportaram
acima do valor médio para o período mais recente indicado na tabela 1, acima.
O
mesmo gráfico de evolução de casos por dia está abaixo em escala decimal.
No
gráfico acima, é possível observar na média móvel entre 24 de Abril e 14 de Maio, três pontos que na curva (vermelha) geraram um aspecto de “degraus”,
cada um destes poderia ter configurado um pico, mas nos três casos, mesmo tendo
havido imediata redução na razão de progressão com valores menores que um, em
seguida a razão voltou a crescer, retardando o pico. Importante também observar
graficamente os 4 últimos pontos da curva de valores reais (azul), indicam
crescimento mais acentuado e maior que o anteriormente ocorrido entre os dias 9
e 14 de maio, o que espelha as taxas apresentadas acima na tabela 2,
configurando preocupante resistência a desaceleração.
No pico de novos casos por dia, a
razão de progressão tende a um, e para ocorrer gradativa redução no número de
casos por dia, a razão de progressão precisará permanecer menor que um e decrescente
após o pico.
Para que possamos voltar a achatar a
curva de novos casos por dia, gradativamente reduzindo a razão média de
progressão, é fundamental a manutenção, ou até nos locais mais críticos, a
ampliação do distanciamento social, uma vez que a contra partida de ser omisso
a essa primordial necessidade é a mais onerosa, com distanciamento do pico e
ampliação do número total de infectados, consequentemente resultando no aumento
do número de óbitos.
Os resultados obtidos na última
estimativa sugerem que o momento atual corresponde a aproximadamente 16 % do
total estimado pela tendência gerada, indicando a possibilidade de só se conseguir
o controle o mês de Setembro, com um total de casos entre 1,8 e 2 milhões, como
consta do gráfico abaixo.
Só com a intensificação de medidas
preventivas e restritivas é possível reverter esse assombroso cenário, ainda
podemos achatar mais ainda a curva de casos por dia, e tentar trazer o pico
para mais perto, influindo na redução do número total de casos, mas isso
depende de ampla conscientização coletiva.
Os 18.508 novos casos divulgados em
21 de maio, mesmo ficando pouco abaixo do dia 20 de maio, está ainda acima da
média dos três dias anteriores, e teve efeito de crescimento da media móvel dos
últimos sete dias, indicando que o padrão que vem se configurando é de
aceleração e distanciamento do pico. Mesmo com a taxa média semanal tendo hoje
ficado em 1,0322, por tanto abaixo da taxa média do período de 04 de Abril a 20 de maio, a média móvel da taxa dos últimos sete dias,
já incluindo 21 de maio, está em 1,07, também com tendência de crescimento,
confirmando que o Brasil passa por um momento extremamente crítico para
definição do rumo evolutivo da pandemia, e grande parte do poder público nas
esferas estaduais e federal, assim como, grande parte da população permanece alheia
a dimensão do problema.
Recife-PE, 22 de maio de 2020.
Roberto
de Souza van der Linden
Engenheiro
Mecânico
Excelente análise, Beto. Importante que esses modelos matemáticos cheguem ao conhecimento das autoridades.
ResponderExcluirObrigado.
ExcluirParabéns pela publicação dessa utilidade pública!!!!
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